As escolhas de Midas. E as nossas?


A vida é feita de escolhas: Certas ou incertas, felizes ou infelizes… E temos que arcar com ônus e bônus do nosso escolher, ou não. Midas, lendário rei da Frígia, afamou-se por duas infelizes escolhas. Vejamos:


Conta a mitologia grega, que Dionísio (Baco, para os romanos), Deus do vinho, dos ciclos vitais, das festas, da insânia, da inspiração, do delírio religioso/místico... Passeava pelos domínios de Midas, quando o sátiro Sileno, seu mestre e pai de criação desapareceu. Tendo “tomado todas” e mais algumas. “Trêbado”, o velho perdeu o caminho, sendo encontrado por camponeses e levado ao rei. Reconhecido por Midas, o ancião foi acolhido e muito bem tratado, sendo entregue alguns dias depois, são e salvo ao seu divino discípulo. Extremamente agradecido, Dionísio permitiu que Midas escolhesse uma recompensa. Fosse o que fosse, seu desejo seria atendido. E, apesar de já viver em plena abastança no seu rico castelo, junto com sua filha adorada. Midas queria sempre mais e muito mais. Assim, ele pediu o dom de transformar em ouro, tudo o que tocasse. Mesmo já adivinhando o infortúnio que adviria, Dionísio atendeu ao insensato pedido e Midas seguiu caminho, festejando seu poder: Fez um pequeno galho de carvalho transformar-se em ouro, uma pedra, um punhado de terra, uma maçã… Chegou em casa eufórico, transbordante de alegria, mandando servir um lauto banquete. Foi quando, estarrecido, constatou que nada conseguia comer ou beber: O pão, o vinho... Até sua filha num simples toque fez-se em ouro. Aflito com a verdadeira maldição em que se tornara sua infeliz escolha, suplicou a Dionísio que o salvasse daquele desastroso desiderato. Compassivo e benévolo o Deus mandou o infeliz lavar tudo o que tocou nas águas do rio Pactolo e tudo voltou ao normal, inclusive sua filha, a qual pôde abraçar sem risco de transmutá-la em ouro.


Depois dessa, será que Midas aprendeu a escolher melhor? Será? Que nada...


Aparentemente, mas só aparentemente. Midas ajuizou-se com o revertério do seu toque de ouro. Retirou-se para a floresta renunciando ao fausto e todo luxo, adotando a humildade e a modéstia, entregando-se a uma vida rústica e simples, nas campinas, passeando só ou com seu amigo Pã, Deus dos pastores e das florestas. Parecido com Sileno e demais Sátiros, era feio de doer, horripilante mesmo, de dar, pânico!


Pã vivia a perseguir as ninfas, tentando, digamos, se dar bem. Diz-se que Siringe, uma jovem ninfa, preferiu morrer, atirando-se ao rio, para não ceder ao mal ajambrado, transformando-se em cana na ribeira. Pã, pegou o caule ainda trêmulo e criou a afamada “flauta de Pã”, tocada até os nossos dias, que inspirou Debussy a compor uma peça para flauta transversa: Syrinx, homenageando a infeliz ninfa.


Certo dia, intentando seduzir algumas ninfas, Pã tocava sua flauta. Perdendo a noção e qualquer medida, passou a “se achar”, desafiando o talento musical de Apolo. Estabelecido o concurso, a disputa entre a lira de Apolo e a flauta de Pã, Tmolus, uma divindade da montanha, é convocado para juiz. Sons rústicos e primitivos sopram da flauta de Pã,, à feição do tocador, como taquaras ao vento. Paradoxalmente, a lira de Apolo, dá um espetáculo de sofisticada harmonia; delicada, civilizada, contrapondo a rusticidade daquela flauta. Embevecido o público escolhe Apolo. Apenas Midas destoa em favor de seu Amigo e sem o menor senso, arrota sua preferência pelo som gutural da flauta em detrimento da sonoridade maviosa da lira.


Por mais essa escolha infeliz, Midas foi castigado. Apolo não aceita que orelhas tão grosseiras tenham forma humana. ele as estica e enche de pelos, tornando-as orelhas de burro. Envergonhado, Midas faz de tudo para esconder os orelhões que denunciam sua estupidez e falta de senso musical. Impedido de esconder aquela aberração do seu barbeiro, vai logo ameaçando o infeliz de morte, caso conte a alguém da sua desgraça.


O pobre barbeiro até tenta manter o segredo. Mas, a língua coça. Então, ele resolve fazer um buraco num terreno distante, onde grita para a terra a “fofoca” trágica, tapando logo em seguida o buraco. Porém, na primavera, juncos crescem daquele lugar. E quando o vento passa, um coro ecoa: O rei Midas tem orelhas de burro, orelhas de burro, de burro...


Pois é… Saber escolher é fundamental, faz toda diferença. Escolher bem o que falar, oque calar e o que ouvir. A escolha do que fazer, do com o que, do com quem...


Felizes escolhas!


4 Comentários

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  1. Meu amigo Antonio, bem sabes que amo mitologia, ela nos dá lições incríveis! Eu tenho em meus poemas um que fala sobre isso.
    Sim, nossas escolhas determinam nossas vidas, saber escolher, discernir, perceber o que é mesmo bom ou ruim!
    Acho que as experiências são válidas, cada erro cometido uma única vez é lição proveitosa, se não for assim e o cometermos novamente aí é que está a "burrice"!
    Amei ler aqui, como sempre tens nos dado textos e poemas proveitosos, edificantes!
    Abraços apertados!

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    1. Ouvimos já a muito tempo se dizer que "errar é humano", aprender com esses erros para construir acertos, essa deve ser a nossa disposição. Só os tolos teimam no errado.

      Um abraço e bom fim de semana.

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  2. Escolher é sabedoria que reside no bom senso do que nos faz bem, e não prejudica ao outro. É não ser individualista. Saber agregar para partilhar com dignidade. Ótima reflexão, para esse momento tão egocêntrico em que vivemos.
    Abraço.

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    1. Sabedoria não é saber muito, é saber bem escolher e usar aquilo que se sabe, de forma positiva, útil, construtiva...

      Um abraço e bom fim de semana.

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