... como na lenda, a verdade é falseada em versões de faz de conta, fingimentos, dissimulações, fake news e mais. A verdade conectada com a realidade, essa não tem vez, não agrada e mete medo. E o pior, fora dos palácios, ela também escasseia e pouco apraz. Talvez por isso...
Nesses tempos em que verdade, acusação, mentira… Ganham versões e aversões, onde disfarces e farsas, ganham maior legitimidade que a genuína verdade. Sobretudo na política, sem uma fantasia, a verdade não adentra os palácios, não circula entre os poderosos. Ela assusta, preocupa… O que diria a imprensa, as redes sociais, a opinião pública e publicada?
Isso tudo me faz lembrar Malba Tahan, heterônimo do entre outras coisas, escritor e professor Júlio César de Melo e Sousa, que nos traz o Harun Al-Raschid, quinto califa abássida, que teria reinado entre 786 e 809, segundo a Wikipédia; época marcada pela prosperidade científica, cultural e religiosa no Islã. Foi o fundador da lendária biblioteca conhecida como "Casa da Sabedoria" (Bay al-Hikma). Já o fictício e famoso livro "As Mil e uma Noites", narra muitas histórias fantásticas sobre a corte de Harun e sobre o próprio califa. Como essa, que narra as peripécias da verdade para acessar o palácio:
Quando Deus criou a mulher criou também a fantasia.
Um dia a Verdade resolveu visitar um grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Raschid. Envolta em lindas formas num véu claro e transparente, foi ela bater à porta do rico palácio em que vivia o glorioso senhor das terras muçulmanas. Ao ver aquela formosa mulher, quase nua, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- Quem és?
- Sou a Verdade! - respondeu ela, com voz firme. - Quero falar ao vosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid, o Cheique do Islã! O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, apressou-se em levar a nova ao grão-vizir:
- Senhor, - disse, inclinando-se humilde, - uma mulher desconhecida, quase nua, quer falar ao nosso soberano, o sultão Harun Al-Raschid, Príncipe dos Crentes.
- Como se chama?
- Chama-se a Verdade!
- A Verdade! - exclamou o grão-vizir, subitamente assaltado de grande espanto. - A Verdade quer penetrar neste palácio! Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Verdade aqui entrasse? A perdição, a
desgraça nossa! Dize-lhe que uma mulher nua, despudorada, não entra aqui!
Voltou o chefe dos guardas com o recado do grão-vizir e disse à Verdade:
- Não podes entrar, minha filha. A tua nudez iria ofender o nosso Califa. Com esses ares impudicos não poderás ir à presença do Príncipe dos Crentes, o nosso glorioso
sultão Harun Al-Raschid. Volta, pois, pelos caminhos de Allah!
Vendo que não conseguiria realizar o seu intento, ficou muito triste a Verdade, e afastou-se lentamente do grande palácio do magnânimo sultão Harun Al-Raschid, cujas portas se lhe fecharam à diáfana formosura!
Quando Deus criou a mulher, criou também a Obstinação.
E a Verdade continuou a alimentar o propósito de visitar um grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Raschid…
Cobriu as peregrinas formas de um couro grosseiro como os que usam os pastores e foi novamente bater à porta do suntuoso palácio em que vivia o glorioso senhor das terras muçulmanas.
Ao ver aquela formosa mulher grosseiramente vestida com peles, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- Quem és?
- Sou a Acusação! - respondeu ela, em tom severo. - Quero falar ao vosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid, Comendador dos Crentes!
O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, correu a entender-se com o grão-vizir.
- Senhor - disse, inclinando-se humilde, - uma mulher desconhecida, o corpo envolto em grosseiras peles, deseja falar ao nosso soberano, o sultão Harun Al-Raschid.
- Como se chama?
- A Acusação!
- A Acusação? - repetiu o grão-vizir, aterrorizado. - A Acusação quer entrar nesse palácio? Não! Nunca! Que seria de mim, que seria de todos nós, se a Acusação aqui entrasse! A perdição, a desgraça nossa! Dize-lhe que não, que não pode entrar! Dize-lhe que uma mulher, sob as vestes grosseiras de um zagal, não pode falar ao Califa, nosso amo e senhor!
Voltou o chefe dos guardas com a proibição do grão-vizir e disse à Verdade.
- Não podes entrar, minha filha. Com essas vestes grosseiras, próprias de um beduíno rude e pobre, não poderás falar ao nosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid. Volta, pois, em paz, pelos caminhos de Allah!
Vendo que não conseguiria realizar o seu intento, ficou ainda mais triste a Verdade e afastou-se vagarosamente do grande palácio do poderoso Harun Al-Raschid, cuja cúpula cintilava aos últimos clarões do sol poente.
Quando Deus criou a mulher, criou também o Capricho.
E a Verdade entrou-se do vivo desejo de visitar um
grande palácio. E havia de ser o próprio palácio em que morava o sultão Harun Al-Raschid. Vestiu-se com riquíssimos trajes, cobriu-se com joias e adornos, envolveu o rosto em um manto diáfano de seda e foi bater à porta do palácio em que vivia o glorioso senhor dos Árabes.
Ao ver aquela encantadora mulher, linda como a quarta lua do mês de Ramadã, o chefe dos guardas perguntou-lhe:
- Quem és?
- Sou a Fábula - respondeu ela, em tom meigo e mavioso. - Quero falar ao vosso amo e senhor, o generoso sultão Harun Al-Raschid, Emir dos Árabes!
O chefe dos guardas, zeloso da segurança do palácio, correu, radiante, a falar com o grão-vizir:
- Senhor, - disse, inclinando-se, humilde - uma linda e encantadora mulher, vestida como uma princesa, solicita audiência de nosso amo e senhor, o sultão Harun Al-Raschid, Emir dos Crentes.
- Como se chama?
- Chama-se a Fábula!
- A Fábula! - exclamou o grão-vizir, cheio de alegria. - A Fábula quer entrar neste palácio! Allah seja louvado! Que
entre! Benvinda seja a encantadora Fábula: Cem formosas escravas irão recebê-la com flores e perfumes! Quero que a Fábula tenha, neste palácio, o acolhimento
digno de uma verdadeira rainha!
E abertas de par em par as portas do grande palácio de
Bagdá, a formosa peregrina entrou.
E foi assim, sob o aspecto de Fábula, que a Verdade conseguiu aparecer ao poderoso califa de Bagdá, o sultão Harun Al-Raschid, Vigário de Allah e senhor do grande império muçulmano!
***
Assim como na lenda, a verdade é falseada em versões de faz de conta, fingimentos, dissimulações, fake news e mais. A verdade conectada com a realidade, essa não tem vez, não agrada e mete medo. E o pior, fora dos palácios, ela também escasseia e pouco apraz. Talvez por isso, verdadeiros mentirosos sejam eleitos e tanta gente teime em não aceitar a verdade sobre eles.
Bom dia:- E a verdade é sempre a luz que ilumina qualquer ser humano? Se calhar... não
ResponderExcluir.
Feliz fim de semana.
Viva a liberdade de um Povo
Sem verdade e liberdade, a realidade finge, falseia.
Excluirhttps://www.youtube.com/watch?v=k-9uq14G2s4
Um abraço. Tudo de bom.
A ARTE DA VIDA. APON HP 💗 Textos para sentir e pensar.
Bom dia de sábado amigo poeta Antonio.
ResponderExcluirAmei ler aqui, a Verdade, pois é, difícil de ser aceita, entendida, dita, mas é a única que nos liberta de "verdade" a queremos, claro que a queremos, mas tem de se ter muita coragem para se ser verdadeiro!
Abraços apertados!
Carecemos de muita verdade em meio a tanta mentira e farsa, a realidade manipulada para dar lucro e poder, os desavisados, dando crédito para mentirosos profissionais e contumazes mitômanos. Assim descaminha a humanidade e me faz lembrar a música de Erasmo Carlos:
Excluirhttps://www.youtube.com/watch?v=FvPOt-v4bGQ
Um abraço. Tudo de bom.
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Muito bom texto. Difícil é conseguir sempre a verdade!
ResponderExcluir-
As palavras que me apraz dizer...
-
Beijos e um excelente feriado. "Mas, em casa!"
A verdade é um ideal, um objetivo cada dia menos buscado. Dissimuladas, as pessoas representam personagens, não o que verdadeiramente são.
ExcluirUm abraço. Tudo de bom.
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Bom Domingo, amigo Antonio!
ResponderExcluirFico impressionada com a mentira impressiona simuladamente disfarçada de bem. Cada um defende seu lado e ficamos atônitos no meio de tudo isto.
Vamos olhando para a única Verdade da face da Terra...
Tenha uma nova semana abençoada junto aos seus amados!
Abraços fraternos de paz e bem
"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará", diz a lição evangélica. Infelizmente, falsos cristãos, como os falsos profetas e os hipócritas, profetizados por Isaías. Seguem espalhando a falsidade para ganhar poder e grana; trazendo a honra ao Cristo nos lábios, mas, o mantendo bem longe do coração. Assim como vaticinou o Divino Mestre. Portanto, busquemos nós, a verdade sincera, sem disfarces.
ExcluirFelicitações recíprocas.
https://www.youtube.com/watch?v=JizRoArMVoI
Um abraço. Tudo de bom.
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Afinal, quem é dono da verdade? a mentira, a falsidade tenta de todas as formas afogar a verdade no lamaçal do poder. Muito bom e reflexivo seu post.
ResponderExcluirTenha feliz domingo .
Saudações amigo Antonio.
Precisamos estar atentos, para não sermos aboiados qual gado, para não sermos arrastados no aluvião das farsas, disfarces e tantas mentiras, nas quais intentam nos enredar.
Excluirhttps://www.youtube.com/watch?v=oJZpFjLw-eQ
Muita gente defende a mentira como se fosse verdade! A mentira tornou-se um adorno, um modismo. E mentem descaradamente, não há qualquer pudor! E repete-se quantas vezes for preciso até se parecer com a verdade, parecer! É muito mau, um péssimo exemplo que se dá! " A mentira vale enquanto a verdade não vence"
ResponderExcluirGostei do que li!!! A verdade viu-se obrigada a disfarçar-se. O texto é atual. Hoje, quem diz a verdade merece castigo, é marginalizado, é excluído, fica fora de jogo. Sentado no banco dos suplentes!
Eu serei sempre pela verdade, sempre, nem que seja alvo de penalizações.
Bom resto de domingo e boa semana
A mentira virou um vício, uma moleta, um cacoete. A farsa tornou-se uma máscara, para muitos, inseparável. Sem ela, sem personagem não sobrevivem como a dissimulação que se tornaram.
Excluirhttps://www.youtube.com/watch?v=v1sigYjNQFA
Um abraço. Tudo de bom.
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A verdade nunca é aceita nem bem-vinda, sobretudo, no meio dos poderosos, da riqueza, mas, quando ela cisma de adentrar nesses meios, o rebuliço é grande e feio rsrsrsrs
ResponderExcluirAbraços!
A verdade provoca um pandemônio entre os poderosos, tão afeitos à mentira, falsidade e dissimulação viralizada e endêmica.
Excluirhttps://www.youtube.com/watch?v=5eTkl15Gw6w
Um abraço. Tudo de bom.
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Gostei de mais desta fábula, António!
ResponderExcluirQuando Deus criou a mulher... Rrrssssss...
Vivemos tempos estranhos em que os melhores valores éticos são ridicularizados diariamente...
Desejando que se cruze sempre com a verdade,
um abraço amigo.
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Fora da verdade, não há salvação. Só enganação e sordidez. "Verdade acima de tudo, fazer a coisa certa acima de todos". Fora disso, a farsa.
ExcluirUm abraço. Tudo de bom.
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Estes tempos "barulhentos" me assustam, Antônio.
ResponderExcluirParabéns pelo reflexivo texto.
Um grande abraço.
Verena.
O barulho que assusta e inquieta, desafia a poesia que aconchega e acalma. Versemos a paz!
ExcluirUm abraço. Tudo de bom.
A ARTE DA VIDA. APON HP 💗 Textos para sentir e pensar.